sexta-feira, 16 de maio de 2014

estava arrumando as gavetas quando ele chegou
estranhei ele nem ter notado a bagunça no quarto
eu nem tinha trocado de roupa
hoje não fui pra rua
ele entrou e achou uma pontinha de cama pra sentar
sempre me olhava assim
como se quisesse entender o que ia acontecer comigo
eu desarrumava a vida dele como desarrumava as gavetas
é isso
ele
um armário pronto pra se abrir e não passar vergonha
eu
a desordem
mexia com a vida dele bem mais do que ele com a minha
se um dia eu fosse embora ele saberia logo
tudo estaria em seus lugares
e não mais pensaria no depois
na possível cobrança antes de dormir
nos meus rituais esquisitos de mulher
ele sentiria a minha falta sim
a falta da vida que vinha comigo quando abria a porta
e os panfletos de greve
os adesivos colados na porta
e as brigas com o vizinho por eu insistir em pendurar o banner do meu candidato em época de eleição
mas ele ali sentado na cama não me trouxe nada da rua
pediu licença e sentou
se eu fosse embora deitaria
e filtraria a vida ao escolher os cadernos do jornal pra ler
era assim antes de eu chegar
e certamente será assim depois de eu ir















gosto de dizer que vou digerir o assunto
torno física essa estranheza de viver de ideias
quase sempre transformo em palavras esse buraco no estômago
é rápido
como se puxasse o ar com muita força
e soltasse
se a ansiedade é tanta que trava a goela
chamam de crise
estou em crise
arranhei a tranquilidade de mulher vivida
desconfiei das horas de pensamentos bons
e da certeza de estar finalmente madura
não estou
escrevo
procuro nomes para dizer o que sinto
não acho
sinto intensamente esse momento
e sentir sempre foi o meu movimento