segunda-feira, 23 de novembro de 2015

um rio passa dentro do menino
águas nunca paradas se misturam ao seu sangue
ora servem como antídoto para os males do homem já grande
ora fazem o menino ainda chorar de saudade
assim
o rio leva o menino de uma margem a outra
sem fazer perguntas difíceis ele se deixa levar
sonha com tempo de nadar sem o calção
sente até a água gelada queimando o corpo quase no inverno de lá
mas no verão da memória do menino é que tudo se faz mais claro
a água pega no colo morna com o sol
e faz papel de mãe
cuida
acaricia com gosto
e então o menino dorme e sonha
com tempo de voltar pra lá
por agora só a terceira margem o prende à vida
a terceira margem é sua espera





sexta-feira, 13 de novembro de 2015


o alecrim cheirava bem
procurou por ele na banca das verduras
nem sempre tinha
e hoje pequenino
novo
se oferecia pra moça
pegou dois e guardou como se fosse coisa preciosa
e era
sabia agora como tirar as folhinhas e fazer virar chá pra banho
melhor remédio pra alma e assim também pro corpo
lava e traz a paz
encaminha pensamento até boas energias
luz
outras vezes a moça já falou dela
dessas idas atrás do cheiro de tudo
quando sobe serra e abre vidro do carro
não é paisagem que procura
é cheiro
das pedras úmidas
das plantas rasteiras cheias de flor na beirinha do barranco
das árvores roçando na nuvem
e até hoje na feira é barraca de erva chamando a moça pra experimentar toque de folha
as cores do verde são de cada uma
o suco
o cheiro no corpo
tudo faz a moça lembrar do poder do mato
de quando prefere caminhar na beira do rio com seu mangue
a passear na calçada lisa beirando a praia
da vó herdou isso
nem sabia
só deixava vir
e lá estava na cozinha fazendo chá de saquinho
muitos
misturava
escolhia dependendo do dia
tomava igual benção
e era
hoje sabe
se a vó benzia com ramo de erva forte
e deixou histórias de passar de boca em boca
a moça sabe vir dela
de lá de outra terra
por ser desse modo que devia ser
moça leu isso de manhã
benzedeiras rezadeiras
força das mulheres
e lembrou
como quem passeia com pé roçando no musgo
voltou no tempo
e sentiu
bem pela casa o cheiro de alecrim
das folhas
e do suco verde
bem verde
esperando por ela

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

sabem um do outro
do gosto
da língua
cheiro
de como se encaixam as curvas do corpo
as costas medidas com os dedos da mão
do sexo
da vontade de estar só assim
do lado
contado histórias
lembrando de quando ainda não tinham feito escolhas
e eram só um e outro
e dormiam pra esperar dia de ficarem juntos
encontrar na esquina como se ninguém soubesse
de novo se encontram
e imaginam que ninguém saiba ainda

prometem não marcar dia
e nem esperar mensagem
deixam a vontade apertar tanto
mas tanto
que só de pensar já arrepia a pele
e de longe os dois sabem um do outro
se esquivam
resistem
juram não fazer juras
e mentem



aquela moça gostava de sorvete
de morango
dos recheados de leite doce
escorrendo pela boca
de língua lamber com  prazer de início
era moça simples
de poucas roupas e cabelo preso
algumas extravagâncias sim
poucas
de fora quase não se via dela
porque era moça de guardar segredo
escrevia histórias
escondia os finais pra não perder a graça
de tão simples
seguia sem sustos
pisava como quem desliza
ouviu isso numa aula e guardou
queria deslizar
ser inventada igual personagem do livro
no meio das linhas escorrendo o doce
porque quando se inventa
bem se pode tirar o amargo das coisas
só a moça e o gosto doce
de quem aprendeu a desabotoar camisa apertada
e a ligar menos pra quem não interessa




enfiou a mão no saco pra buscar palavra
cisma dela
sentar e organizar a cabeça
não podia ser olhando armário
arrumando gavetas
ou pintando as unhas de vermelho
mas não
mulher tinhosa com a escrita
diz sentir esvaziar o peito
entender os dedos teclando como traçando linhas de fuga
assim
não muda mesmo