na janela
com coleira de fino trato
quieto
olhos engolindo tudo
protegido sem querer
dos perigos do mundo
o gato só via o pássaro

na árvore
o pássaro
livre
arriscando tudo pra começar o dia
cantava
sem nem saber do gato


dulce

de Anita a imagem
de mim
miragem
intenção
desvio

Dulce

sempre quis ter cílios postiços
a falsa ideia
de alongar o olhar
chegar
mostrando quem sou
com a sutil ajuda
da máscara

dulce

no espelho deixou a marca de batom de ontem
e então percebeu-se
refeita
pronta
pra tudo voltar a acontecer

dulce

vem e me dá teu colo
finjo fraqueza
seguro tua mão e vou

dulce

Sobre
Foto Thiago Antunes


vestiu a menina de mulher
e ela distaidamente
deixou que notassem
sua delicadeza
a delicadeza de todas nós
uma inocência que nos acompanha
muitas vezes guardada
pela timidez de nos apresentarmos frágeis
somos personagens
vestidas cuidadosamente conforme a peça
desnudas
se apanhadas em flagrante
Dulce Moura

o olhar é instrumento
observa
enquanto distraídos
os outros atuam em cenas comuns
mas o enquadramento pode mostrar diferente
e então o susto
e a arte
Dulce Moura

vem
me conta um segredo
prometo
não espalhar pra ninguém
fica comigo
perdido
entre as muitas histórias que ouvi
e contei
já nem sei
vem
fica um pouco
só o tempo de um caso
bem contado
trabalho bem feito
de ourives moldando a peça
beleza
vem que eu te ajudo

dulce

bom te encontrar tão colorido de histórias
e eu em branco
porque quero me deixar pintar
borrar de cores quentes
manchar sem preocupação
estranhar

dulce

de longe vi o Rio
em mim
na confusão das formas
numa ordem atropelada pelas vontades
nos muitos sons e cores
despertando os sentidos
por nunca ser de um só jeito
e não andar na mesma linha
esquinas
ruas e seus encontros urgentes
provocam um estranhamento
o Rio em mim
ora desenha com traços delicados
ora rabisca
borra
Dulce Moura