sábado, 13 de dezembro de 2008

Vago sempre
mesmo quando querem me prender
Árduo é não me deixar perder no vácuo

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Hai Kai
Seus olhos pousam em mim
como o bem te vi
no telhado da casa de praia

terça-feira, 9 de dezembro de 2008


"Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é possível fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada."Clarice Lispector

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Meninas

Para elas o mundo partiu dali
Das paredes pintadas com cuidado
Das fotos arrumadas como histórias
Foi daquele começo
De todas as horas marcadas por uma rotina confusa
Da mãe ansiosa pela vida
Temendo a incerteza
Do pai de presença leve
Aguardando as coisas acontecerem
Muito se viveu de tudo
Falaram de quase todas as coisas
com humor
sem nenhum pudor
Entederam-se
Buscaram respostas difíceis
Tatearam caminhos por si mesmas
Cresceram com o prazer necessário à vida
Agora ainda no meio do caminho
Talvez percebam melhor e criem sua própria história
Recontem os fatos
Ajudem nas escolhas

No húmus da sua densa floresta

Serra Leoa protege a História guardada pelo tempo

das garras trituradoras da britadeira estrangeira

Vejo daqui a encruzilhada
quatro cantos de um mesmo lugar
quarteirão redondeza encontros marcados ao acaso
alguns chegam outros se vão antes da hora
os que ficam aproveitam e pedem proteção
A anunciação daquele amor
Transpiração
Tudo agora sim fazia sentido
Gotas caídas sobre a mesa do bar
Entre copos de cerveja suados
Olhares colados nas bocas
Silêncio
Nada mais a dizer
Já tinham dito tudo
Cumplicidade

Hai kai (para filha)


Seus dedos longos
tocam o coração da mãe
com cuidado

Hai kai (para filha)


com a Bela menina
aprendeu de vez

a não duvidar da vida

INCONDICIONALMENTE

O grito do gol é o início do prazer
que se estende por muito tempo fora das quatro linhas.
Marca fases.
Traz com ele momentos do menino com o pai.
Concentra os dias e quando sai da garganta
cortando os medos,
dribla os pesadelos da vida real.

Já homem, guarda as histórias,
ganha ares de guerreiro,
desculpa derrotas e comemora exaustivamente as vitórias.
Ele também vai à guerra,
faz da camisa um escudo e enfrenta adversários.

Admira cada lance
como um quadro: as nesgas e luzes, a textura apropriada, a cor exata.
Guarda na memória.

E é com os seus
no meio da arquibancada
que se completa
se vê como igual.
Ali as diferenças se rompem.
Ele é o mesmo de sempre
coração no (des)compasso certo
sem desistir ou desculpar-se
por seu amor incondicional.

Isabel


Já falei dela outras vezes
do seu encanto pelo natural
do medo de se perder por ai
no meio de tanta confusão.
Pés descalços, roupa molhada
cabelos em desalinho
não lhe tiram a graça.
Seus caminhos são outros
desejados de idos tempos.
É nosso elo com o simples
sendo tão requintada no gosto.
Dela não se espere a precisão das horas
a rigidez da vida.
Deixe-a livre.
Deixe-a livre
para ser o que é
para ter o que quer ter
onde quiser
quando escolher.

Cotidiano


Desde cedo na rua. Chegou tirando a roupa e correndo para o banheiro. Era como um ritual. Limpava as sujeiras do dia. O trabalho consumia: incomodando, cutucando o juízo. Quem diria onde iriam parar os sonhos de levar poesia para a realidade dura daqueles com quem dividia sua vida. Passaram-se os anos e quase não se deu conta do tempo. Olhava para o espelho e via sinais. Sabia não poder sair de casa como quem displicentemente acorda e vai. Os olhos marcavam a expressão preocupada, uma noite interrompida pelos contínuos flashes do dia. A água escorria. Não era para lavar o cabelo porque já não secaria antes de dormir. Não deu. Sempre gostou de cabelo molhado. Da janela da cozinha, enquanto esquentava o jantar, podia ver as luzes do morro. Cada vez mais luzes, cada vez mais gente. Lembrou de Drummond e dos amores possíveis por ali. Histórias tão parecidas com tantas outras dos romances lidos desde mocinha. Nesse cenário, nenhum glamour. Nem mesmo a névoa de um voal para trazer a idéia de sonho. Quando ele chegou já encontrou tudo pronto, como sempre foi. A mesma o esperava sem a ansiedade do início, mas sentindo-se bem ao vê-lo. Era seguro estar com ele. Sempre foi assim. Imaginar o contrário chegava a doer. Elogiou o cheiro da comida sem perceber o cheiro bom que vinha da mulher. Tudo tinha o momento certo. Não era a hora para olhares mais atentos, nem mesmo para sensações eróticas. A hora do jantar. Também não cabia o tal sonho. Sonhar também exigia clima. Ao notar que estavam vindo, os sonhos, plantava-se com mais força, determinando o caminho do real. Não era a hora do sonho. Lia sempre. No início descobrindo várias sensações que não tinham nome ainda. Depois, aprendendo a nomear, sentimentos e pessoas inimagináveis. Com o tempo, mesclando obrigação e prazer. Tantas mulheres apresentaram-se nas linhas dos seus livros que nem lembra mais de muitas. Outras, foi por acaso, nas músicas, filmes, por aí que conheceu. Sabe ser delas algumas palavras usadas por descuido. Também delas um olhar ou outro mais atento diante de situações aparentemente corriqueiras. Eram suas as epifanias das personagens de Clarice. A casa alaranjada de Adélia era igualzinha a sua do Encantado. Mulheres! E as personagens que se desnudavam nos filmes. Frida, Piaf, Carmem... Tantas dores e profundidade no viver... Era bom saber que se amava tão profundamente. Ela não sabia se havia concretizado esse desejo de amar até não poder mais. Amava no sonho. Tinha hora certa. Hora desejada pelo cansaço. Não agüentava sonhar muito, que o sono vinha rápido. Antes da história tomar rumo certo. Era assim. Tudo pronto para eles. Se demorasse um pouco mais a comida queimava. Panelas boas e bom fogão adiantam a vida, encurtam o sonho.

- não falta espaço para ele
sempre tem
quase sempre tem
quando eu quero tem

Poesia

Esvaziar a alma
Tirar dela as palavras
Procurar atalhos
Na poesia
Só de ler já dá calafrio
De todos os malditos é o melhor
O que toca a alma do jeito mais doido
Espinha sustentando o fio vivo
Arrepio de desejo chegando
De todos os malditos é o melhor
O que aguarda o momento de ferir
Espada preparando o corte
Suspiro de entrega na dor.

Apesar de você ainda pode ser que eu vá
até dentro de mim
Sem medo de perder o rumo
como quem vai encarando os rostos
daqueles que não se conhece

Apesar de você ainda pode ser que eu deixe
as amarras da semana
Encare o domingo como o primeiro dia
procure abafar o cansaço
da batida do cotidiano

Apesar de você ainda pode ser que eu entenda
que ainda há tempo de sonhar acordado
marcando as cenas de um filme de amor
sem nenhum pudor dos momentos mais quentes

Apesar de você ainda pode ser que eu tente
encontrar desvios nesse tal destino
e me vista de estampado com o cabelo molhado
e saia por aí sem culpa