quinta-feira, 21 de maio de 2015


como essa moça chora
filha de Oxum
sei não
mas chora essa moça









cantarola baixinho no ouvido dela
uma música de quando eram crianças
repete repete repete
até ela dormir sossegada

sábado, 2 de maio de 2015


tem dias que se confunde
gosta de coisas demais
quer curtir e compartilhar
não seria estranho se não fosse da mesma pessoa
êta mundo confuso mesmo
tá tudo virando de ponta cabeça
e não é que assim parece bom

Dulce Moura



     
       Em meio a poesia, uma prosa com Helena.

 Maria Helena, Sou eu. Disse com firmeza de quem sabe bem quem é. De olhos vivos e com uma narrativa capaz de fazer com que se pense bem antes de costurar as partes  ditas várias vezes, num vai e vem que engana a lucidez de quem ouve. Helena, para mim, agora sua mais nova amiga.

     Você hoje pode dormir lá em casa, tem quarto com cama e lençol direitinho para as visitas. Sabia que não dormiria, então, inventei que precisava voltar para dar comida para o meu filho pequeno. Não tenho filho menino, muito menos pequeno. Naquela hora, pelas mãos de Helena, entrei numa fantasia. Voltei no tempo. Fui num tempo de ainda ter filhos pequenos me esperando. Voltaria para casa e, justamente naquele sábado, sem ter filhas a minha espera. A que mora comigo foi visitar a irmã mais velha que agora vive em outra cidade. Helena me contou muita coisa. Embaralhou bem, quem sabe para testar minha atenção. Falou sem parar enquanto estive a seu lado, se valeu da oportunidade de contar histórias para a mais nova amiga, que como as outras, também recusaria o convite para passar a noite em sua casa. Com certeza, se alguma aceitasse, além dos lençóis cheirando a roupa que secou no sol, ouviria histórias de quando ainda era moça e trabalhava na casa de uma senhora que vendia refeição caseira.

      As marmitas iam e voltavam limpas no dia seguinte. Quem trabalhava fora e não tinha como fazer comida, comprava e comia em casa. Assim, Helena me descreveu seu trabalho. Entendi ser ela a cozinheira da pensão. Ganhava pouco. Muito pouco. Apesar de ter fartura de refeições à venda, quase nada sobrava para os que lá trabalhavam. O prato tinha pouquinha comida. Agora entendi o porquê da sacola guardando o que sobrou do lanche, era medo da patroa não dar o suficiente no dia seguinte. Já Dalila, a irmã que a esperava em casa, levou a fama de gostar dos salgadinhos. Dalila não veio porque é aleijada. Ela fica lá em casa deitada. Ali. Apontava para umas escadas perto de onde estávamos. Ainda não sei se Dalila estava mesmo na cama esperando pela irmã. Dalila podia estar cuidando de Geraldo, filho pequeno de Helena que chorava chamando por ela numa parte de nossa conversa. 

     Os olhos apavorados enquanto Helena dizia que um menino chorava e chamava com insistência pela mãe. Ela era a mãe. Vinha dali, bem de perto de nós, do lado oposto ao da casa que guardava sua irmã. Eu nada ouvia, a não ser a música da festa. Ela não cedeu as minhas desculpas, quando falei que o menino não era o dela, e sim o de outra mulher. Mas como se deixa um filho chorando assim sem dar atenção? Devem ser as pessoas que tomam conta do Geraldo mesmo, pois, apesar de receberem todo mês, são bem capazes disso. Estava tão aflita que fui lá ver se o menino chorava no berçário, como ela mesmo disse, e voltei dizendo ser o filho de outra mãe, o João. A mãe estava esquentando o leite. O olhar de Helena foi se acalmando. Não era então o seu menino. Ele é pequeno? Tem oito anos.

    A casa que Helena comprou foi construída pelo governo. Havia casas de um e dois quartos. Começou com uma de um quarto, mas ao logo da descrição, construiu um outro. A casa guardava cenas com companheiros que surgiram no decorrer dos anos. Repetiu inúmeras vezes que não se deve dizer aos companheiros que arrumamos sermos donas de uma casa. Eles têm que pensar ser o imóvel de aluguel. Assimilei a dica por insistência. O pagamento do aluguel de mentira virava ajuda para as despesas.

   Ela tem uma filha e veio para cá por vontade própria faz dez anos mais ou menos, Fugiu da filha. Ninguém mais soube dela. Nem fotos tirava. Agora até que deixa. A senhora falava de Helena com conhecimento de causa. Não iria embora no final da tarde. Tinha certeza que o menino Geraldo não podia mesmo estar chorando. Ela só tem uma filha, senhora. Dalila? Onde? Dalila também não morava ali, Da ideia de não mencionarmos a compra da nossa casa para não perdermos a chance de repartir as despesas com nosso companheiro, não se falou. Ainda bem. Certamente, Helena guardou sua lucidez para a hora dos conselhos para a amiga daquela tarde.

   Helena vai ficar comigo por um bom tempo. Pena não ter ouvido suas histórias noite a dentro. Daquela tarde, ganhei um presente. Cheguei pensando em doar. Sentei ao lado daquela senhorinha chamada pelos seus olhos. Vou conversar com ela e fazer com que se sinta bem. E lá veio a lição: deixe de ser soberba, dona! Quem vai sair daqui com um balaio cheio de palavras para juntar e virar história é você. Ela vai ensinar a enfrentar a vida. A tomar decisões. Até a de se perder nas lembranças, se deixando ir com a imaginação. Você um dia pode ter um menino para fazer companhia as suas. Não é seu desejo? Helena me mostrou que posso.