domingo, 19 de junho de 2011

Meu Pai

Ele vive naquela caravela que mal se vê

como quem espera chegar a outra margem
exilado em si mesmo
preso às cores do passado
alheio ao presente.
Homem simples
nem sempre rude.
A espera do reencontro com o tempo perdido
no cheiro da terra pisada com força
no rio de menino guardando os segredos
no irmão
na mãe enfrentando os dias
no pai nunca por perto
no time de futebol
no trabalho para aprender o ofício de ourives.
Já não sabe ao certo quem é
Espelhos antigos confundem as imagens
vê-se velho
percebece-se jovem nas histórias
repetidas sem cansar
alegres como dia de menino
que de tão contadas
aos ouvidos dos outros
chegam melancólicas como o fado.
A felicidade preservou-se num tempo longe
cabe ainda no garoto
nos respingos da água salgada
que o gosto ainda tem na boca.
E o que fez depois perde-se
não vale capítulo no seu livro.
Cumpriu a sina
mas ressente-se
nada fez para mudá-la
aceitou
contra a vontade.
De herança
pensa ele ter deixado
a dignidade
o bastar-se
por ter se feito sozinho
mas não.
Deixa para os de agora
um aperto no peito
o desejo de chegar de vez
cercar a terra
protegê-la do mar
que vez por outra avança
na tentativa de destruir o já conquistado.
Parte aos poucos
cada vez mais só.
A filha o encontra na literatura
nos poemas que falam de mar e saudade
nas palavras portuguesas
em cada detalhe das entrelinhas.
Só assim o decifra
o entende
e ainda o espera em outra margem
a terceira
no lugar do sonho.

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