Uso palavras emprestadas para dizer quem sou Encontro sempre um modo de parecer quem quero Quando meio Adélia invento um passado e mostro-me mulher madura Noutro dia sendo Clarice encontro mistérios em mim Florbela é o auge da intenção de desnudar-me sangrenta Brinco de inventar com o Rosa Simplifico sentimentos ao parecer Quintana Valso com Chico ao sentir-me mulher Drummond me ajuda a carregar o mundo E vou assim tal qual personagem sem rosto
terça-feira, 6 de março de 2012
Mulheres I
Foi meu pai que me falou dela. Mulher forte e boa. Boa.Viveu para quem com ela estivesse: as irmãs, sobrinhos, marido, filhos... Pouco viveu para ela mesma. Desde cedo trabalhou nas minas de carvão em Portugal. Penso como deve ter sonhado com o dia em que saísse dali. Fora. Do lado de fora daquele buraco insalubre. Saiu. Pena ser lá fora tempo de guerra. Portugal de Salazar. Mulheres sozinhas a cuidar dos filhos enquanto seus homens procuravam o sol de outras terras. Nem sempre encontravam. E assim foi com ela. Seu nome, Felicidade (poderia ser Severina). Igual a tantas outras portuguesas, mas morena. De cabelos pretos. Mãos de trabalho. Lavava e deixava a roupa no quarador. Também benzia quem precisasse. Volta e meia sua imagem me vem à cabeça. Quando levanto as saias compridas (que teimo em usar), prendendo assim meio de lado, como uma lavadeira na beira do rio (rs!), sou o que nela há em mim. Me orgulho da força da mulher trabalhadora. Lamento as poucas chances que ela, Felicidade, teve de realizar seus sonhos. Viveu o tempo que pode. Viu os filhos crescerem. Veio para o Brasil. Me viu nascer. Ela queria uma menina e não conseguiu ter. Teve netas, quatro. Pouco pode estar com elas. Nem posso mostrar sua foto. Não a tenho. Num tempo de tantas imagens, dela só histórias. E de palavras ditas, não escritas. Até porque ela não conhecia o desenho das palavras. E eu que tanto amo cada contorno das letras não consegui fazer dela poema, e sim prosa.
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